O que é

EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO 21


Mais exercícios, mais repetição e mais testes podem até resultar em uma nota maior, mas não prepararão o aluno de forma integral e, muito menos, darão conta de desenvolver todas as competências que ele necessita para enfrentar os desafios do século 21. Enquanto o mundo abre espaço e cobra que os jovens sejam protagonistas de seu próprio desenvolvimento e de suas comunidades, o ensino tradicional ainda responde com modelos criados para atender demandas antigas. A realidade é que o ser humano é definitivamente complexo e, para desenvolvê-lo de maneira completa, é necessário incorporar estratégias de aprendizagem mais flexíveis e abrangentes.

Uma das saídas para reconectar o indivíduo ao mundo onde vive passa pelo desenvolvimento de competências socioemocionais. Nesse processo, tanto crianças como adultos aprendem a colocar em prática as melhores atitudes e habilidades para controlar emoções, alcançar objetivos, demonstrar empatia, manter relações sociais positivas e tomar decisões de maneira responsável, entre outros. Uma abordagem como essa pode ajudar, por exemplo, na elaboração de práticas pedagógicas mais justas e eficazes, além de explicar por que crianças de um mesmo meio social vão trilhar um caminho mais positivo na vida, enquanto outras, não.

Longe de ser um modismo, a preocupação com o desenvolvimento dessas características sempre foi objetivo da educação e precisa ser entendido como um processo de formação integral, que  não se restringe à transmissão de conteúdos. Então o que muda? Para que consiga alcançar esse propósito, a inclusão de competências socioemocionais na educação precisa ser intencional.

“As competências socioemocionais são habilidades que você pode aprender; são habilidades que você pode praticar; e são habilidades que você pode ensinar”

“A gente está falando de uma mudança de cultura, de compreensão de vida, do que a gente acredita que é o ser humano, o conhecimento, a aprendizagem e de qual é o papel da escola”, explica Anita Abed, consultora da Unesco (organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura). “O conhecimento em si deve ser amplamente significativo e prazeroso, algo da ordem socioemocional”, diz.

A nova visão não implica em deixar de lado o grupo de competências conhecidas como cognitivas (interpretar, refletir, pensar abstratamente, generalizar aprendizados), até porque elas estão relacionadas estreitamente com as socioemocionais. Pesquisas revelam que alunos que têm competências socioemocionais mais desenvolvidas apresentam maior facilidade de aprender os conteúdos acadêmicos. No livro “Uma questão de caráter” (Intrínseca, 272 págs), o escritor e jornalista americano Paul Tough vai além, e coloca que o sucesso no meio universitário não está ligado ao bom desempenho na escola, mas sim à manifestação de características como otimismo, resiliência e rapidez na socialização. O livro ainda explica que competências socioemocionais não são inatas e fixas: “elas são habilidades que você pode aprender; são habilidades que você pode praticar; e são habilidades que você pode ensinar”, seja no ambiente escolar ou dentro de casa.

EVOLUÇÃO DO DEBATE


A discussão sobre o papel e a importância das competências socioemocionais ganhou corpo no mundo inteiro ao longo das últimas décadas. Nos anos 90, o surgimento do Paradigma do Desenvolvimento Humano, proposto pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e a publicação do Relatório Jacques Delors, organizado pela Unesco, representaram um importante passo para o debate sobre a importância de uma educação plena, que considere o ser humano em sua integralidade.

O primeiro texto coloca as pessoas no centro dos processos de desenvolvimento e aponta a educação como oportunidade central para prepará-las para escolhas e ajudá-las a transformar seu potencial em competências. Já o relatório da Unesco sugere um sistema de ensino fundado em quatro pilares: (i) aprender a conhecer, (ii) aprender a fazer, (iii) aprender a ser, e (iv) aprender a conviver.

A partir desse momento, especialistas das mais diversas áreas, como economia, educação, neurociências e psicologia, começaram a definir quais seriam as competências necessárias ao alcance dos quatro pilares propostos e se haveria outros grandes objetivos para o aprendizado. Para isso, os estudos investigaram a relação entre desenvolvimento socioemocional e desenvolvimento cognitivo, bem como o elo de ambos com os diversos contextos de aprendizagem (escola, família, comunidade, ambiente de trabalho e etc.) e com diversos indicadores de bem-estar ao longo da vida (renda, saúde e segurança, entre outras).

Segundo o especialista em educação de Hong Kong Lee Wing On, as competências e habilidades listadas por essas pesquisas estão intimamente conectadas com as chamadas soft skills (habilidades maleáveis, em livre tradução), que compreendem um conjunto de características sociais, reguladoras e comportamentais (Heffron, 1997; Heckman e Kaultz, 2012). Também se relacionam com o conceito de capital social (Putnam, 1995), que é determinado pelo nível de cooperação entre integrantes de uma comunidade. Esses conceitos abrangem capacidades que se modificam a partir de experiências e da interação com outras pessoas (por isso o termo soft, em contraposição aos menos maleáveis inteligência e conhecimento, tal como medidos por testes de desempenho e QI).

Mais recentemente, as atenções se voltaram a como levar para as escolas e disseminar o desenvolvimento de competências socioemocionais. Na esteira, organismos multilaterais como a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) passaram a produzir conhecimento para apoiar governos e instituições a criarem políticas e práticas voltadas intencionalmente para a promoção dessas competências, com apoio de métodos específicos para este fim.

UMA TEORIA: BIG FIVE


Entre os psicólogos, tem crescido o reconhecimento de que é possível analisar a personalidade humana em cinco dimensões, conhecidas como Big Five: abertura a novas experiências, extroversão, amabilidade, consciência (também traduzida como conscienciosidade, do inglês conscientiousness) e estabilidade emocional (em inglês, usualmente identificada na carga de instabilidade emocional, ou neuroticism). Os Big Five são resultado de uma análise das respostas de questionários sobre comportamentos representativos de todas as características de personalidade que um indivíduo pode ter. Quando aplicados a pessoas de diferentes culturas e em diferentes momentos do tempo, as respostas a esses questionários demonstraram ter a mesma estrutura, o que deu origem à hipótese de que os traços de personalidade dos seres humanos se agrupam efetivamente em torno de cinco grandes domínios.

O pioneirismo da teoria é atribuído a Gordon Allport e colegas que, em meados dos anos 30, buscaram nos dicionários todos os adjetivos que poderiam descrever atributos de personalidade (como por exemplo: “amável”, “agressivo” etc). Na década de 40, Raymond Catell reduziu a lista de adjetivos para 171 termos e depois os agrupou por afinidade em 35 conjuntos.

A partir dos anos 60, pesquisas de grande amostragem detectaram que cinco fatores principais resumiam a variação existente. Os autores que mais contribuíram ao modelo à época, considerados os “pais” da teoria, foram: Lewis Goldberg, Robert R. McCrae e Paul T. Costa, Jerry Wiggins e Oliver John.

Para ressaltar a importância do tema, John, que atua como professor de psicologia na Universidade da Califórnia em Berkley e é autor do The Big Five Personality Test, um dos mais robustos testes de avaliação dos traços de personalidade, analisa que pela primeira vez na história é possível entender o que acontece com os traços de personalidade. “Temos a chance de conectá-los às escolas, e as competências socioemocionais são atributos que não podemos subestimar”, afirma.

O professor de Berkley explica que a teoria dos Big Five tem sido comprovada por diversos pesquisadores independentes ao redor do mundo. “É incrível que estudiosos do Brasil também encontrem as mesmas respostas. Isso significa que as pessoas podem trabalhar juntas em busca do que funciona, ao invés de ficar dizendo que isso é meu ou seu. Eu não sou dono da teoria dos Big Five e você não precisa me pagar royalties (compensações). Ela (teoria) funciona como um código aberto”.

Domínios do Big Five

Grande parte das experiências desenvolvidas por pesquisadores utiliza escalas e testes para medir aspectos particulares da personalidade e enquadrá-los em ao menos um dos domínios dos Big Five. Abaixo, o esquema proposto por John e Srivastava (1999) e citado em Almlund et al (2011) para enquadrar os domínios capturados por escalas e testes nos cinco grandes grupos dos Big Five:

Abertura a novas experiências:  tendência a ser aberto a novas experiências estéticas, culturais e intelectuais. O indivíduo aberto a novas experiências caracteriza-se como imaginativo, artístico, excitável, curioso, não convencional e com amplos interesses.

Consciência: inclinação a ser organizado, esforçado e responsável. O indivíduo consciente é caracterizado como eficiente, organizado, autônomo, disciplinado, não impulsivo e orientado para seus objetivos (batalhador).

Extroversão: orientação de interesses e energia em direção ao mundo externo e pessoas e coisas (ao invés do mundo interno da experiência subjetiva). O indivíduo extrovertido é caracterizado como amigável, sociável, autoconfiante, energético, aventureiro e entusiasmado.

Amabilidade: tendência a agir de modo cooperativo e não egoísta. O indivíduo amável ou cooperativo se caracteriza como tolerante, altruísta, modesto, simpático, não teimoso e objetivo (direto quando se dirige a alguém).

Estabilidade Emocional: previsibilidade e consistência de reações emocionais, sem mudanças bruscas de humor. Em sua carga inversa, o indivíduo emocionalmente instável é caracterizado como preocupado, irritadiço, introspectivo, impulsivo, e não-autoconfiante.

No infográfico abaixo, entenda a ligação entre grupos do Big Five e traços de personalidade. O desenvolvimento das competências socioemocionais pode ser benéfico tanto para um bom desempenho em matemática, como para ter sucesso nas artes e, por que não, felicidade (clique em cada elemento para ativar suas conexões).

IMPACTO


Aproximar o ambiente escolar do desenvolvimento de competências socioemocionais cria espaço para um aprendizado mais completo e tem impacto no bem-estar ao longo de toda a vida. Isso porque, segundo o pesquisador Oliver John, seres humanos são uma espécie muito sociável, como as formigas e as abelhas, e suas características podem, sim, ser aprimoradas antes e depois do período escolar.

É quase um lugar comum dizer que o mundo atual é complexo demais para caber no currículo das escolas, mas o importante, segundo o pesquisador belga Filip de Fruyt, é entender “por que algumas pessoas conseguem lidar melhor com essa complexidade do que outras”. Para dar conta dessa tarefa, as escolas do século 21 precisam descobrir como inspirar seus alunos enquanto eles aprendem. Com estudos orientados e projetos, é possível ajudar os alunos a conhecerem o que gostam de estudar, como preferem aprender, o que os faz desistir, em que costumam errar, quais emoções os dominam quando fracassam ou são provocados. Em especial, estimulá-los a descobrir quais são seus sonhos e de que forma persistir em alcançá-los.

Os resultados desta mudança de postura são sentidos na própria sala de aula, como mostram pesquisas promovidas pelo Instituto Ayrton Senna e pela OCDE. Alunos mais responsáveis, focados e organizados aprendem em um ano letivo cerca de um terço a mais de matemática do que os colegas que apresentam essas competências menos desenvolvidas. Em português, os efeitos são semelhantes, e alunos mais abertos e protagonistas têm seu aprendizado impulsionado em um terço.

Com este novo cenário, abre-se a possibilidade de melhorar os índices de desempenho tradicionalmente avaliados e, ao mesmo tempo, promover as novas aprendizagens. Além disso, surge uma importante ferramenta para reduzir as desigualdades dentro do sistema educativo e de elevar sua qualidade, diminuindo inclusive os níveis de evasão. Segundo o artigo A importância socioeconômica das características da personalidade, assinado pelo professor Daniel D. Santos, da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), o diferencial de um indivíduo com estas competências bem desenvolvidas também é sentido no mercado de trabalho e seu efeito é recompensado na forma de maiores salários e menor período de desemprego.

Educação.DOC - Competências da Nova Escola

Na Rede Escolar

CURRÍCULO


Sociedade decide currículo socioemocional no Canadá

Em 2009, o Ministério da Educação de Ontário, no Canadá, alterou as diretrizes curriculares para que contemplasse o desenvolvimento de habilidades socioemocionais nos alunos. A mudança se deu a partir de uma necessidade percebida pelo distrito em formar os jovens de maneira mais completa, tanto para o mercado de trabalho, quanto para a vida adulta em geral. A rede de escolas de sua capital, Ottawa, desenvolveu um projeto interessante para responder a essas novas demandas. Os seus resultados, mesmo que ainda não tenham sido sistematizados, já estão sendo percebidos pela comunidade escolar e servem de inspiração para redes de ensino de todo o mundo.

No Canadá, os ministérios da Educação são regionais e cada distrito possui autonomia para decidir como colocar em prática as diretrizes do governo. O distrito de Ottawa possui 150 escolas, 70 mil alunos e 8.500 funcionários, sendo cerca de 5 mil deles, professores e assistentes pedagógicos.

Jennifer Adams é a diretora de Educação dessa rede e, segundo ela, a diretriz do ministério de atribuir às escolas a responsabilidade de promover a aprendizagem, mas também o bem-estar dos estudantes, se somou a uma necessidade que já era sentida pela comunidade escolar: a formação dos estudantes para a vida. Para atrelar aos conteúdos acadêmicos o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, a rede elaborou um plano de ação que envolveu professores, gestores, empresários, representantes da comunidade e os próprios alunos.

Em um primeiro momento, diretores e gestores fizeram uma reflexão sobre quais habilidades gostariam que os estudantes tivessem quando deixassem a escola. Já com esse pensamento aguçado, fizeram uma grande consulta pública, envolvendo professores, estudantes, funcionários das escolas, membros da comunidade e empresários locais no debate.

“O que surgiu claramente desse processo foi que o papel da escola não pode se restringir apenas às competências acadêmicas, mas que tem toda uma gama de habilidades sociais que precisam ser desenvolvidas. Entre elas, as principais são:  criatividade, espírito inovador e colaborativo, estar aberto a novas ideias e lidar com desafios”, conta Adams.

Iniciar essa mudança pela consulta pública, explica a diretora, foi importante para deixar claro os principais pontos a serem trabalhados e para o entendimento de que essas habilidades deveriam ser consideradas desde o início da vida escolar até o último dia de aula, através de um trabalho constante e de desenvolvimento crescente, sempre estimulando a evolução. “Assim, quando os alunos deixarem a escola e entrarem, não apenas no mercado de trabalho, mas na vida adulta, serão pessoas mais preparadas e seguras”.

A diretora também ressalta que, com o passar dos anos, desde que o trabalho foi iniciado, as escolas perceberam que alunos estão obtendo melhores resultados acadêmicos nas disciplinas tradicionais. “Conforme melhoramos o desenvolvimento das habilidades sociais nos alunos, o desempenho acadêmico acompanha os resultados positivos. E a melhora do desempenho estimula o desenvolvimento das habilidades sociais. É uma relação de equilíbrio e de troca”, pondera Adams.

O currículo inclui, por exemplo, estratégias para trabalhar resiliência com os alunos, a fim de que, quando se depararem com problemas difíceis de matemática, eles não desistam até encontrarem uma solução.

Na implantação dessa nova política pedagógica, a participação e engajamento dos professores foi fundamental. Eles tiveram que deixar para trás o papel de único detentor do conhecimento para assumir uma postura de mediador, de facilitador da aprendizagem, estimulando discussões que ultrapassem os limites dos conteúdos factuais. “Por exemplo, para explicar o papel do Canadá na Segunda Guerra Mundial, o professor aborda menos fatos ou datas, coisas que qualquer um pode acessar facilmente, e vai falar mais sobre como os líderes canadenses mostraram resiliência no período”, exemplifica Adams.

Para viabilizar essas mudanças, os docentes da rede passaram por capacitações e atividades de formação. “Mostramos para os professores que eles iam ter suporte para se adaptar, que eles mereciam ter diferentes frentes de apoio para ajudá-los a lidar com as necessidades dos alunos”, afirma Adams.

Outro intuito do desenho do novo currículo é promover o pensamento crítico dos estudantes. Por isso, os professores são incentivados a realizar atividades cujos objetivos e metas são definidos conjuntamente com os alunos, que trabalham em duplas ou em pequenos grupos, para estimular a colaboração, a criatividade e a inovação.

“Os docentes são encorajados a escolher recursos de aprendizagem que auxiliem os alunos a falar explicitamente sobre habilidades socioemocionais. Por exemplo, quando se estuda um romance, eles podem ser questionados sobre como o personagem principal demonstra resiliência, ou qualquer outra habilidade, e depois comparar esse comportamento com o de outros personagens de outros livros ou filmes”, ilustra a diretora.

O maior desafio para os professores, no entanto, foi aumentar o uso de tecnologias na sala de aula, segundo a diretora. As escolas da rede são adeptas do Bring Your Own Device, em que os alunos levam seus próprios equipamentos, como celulares e tablets, para usar em sala de aula. “Estamos tentando criar um ambiente onde a tecnologia é um suporte para boas práticas educacionais”, diz a diretora, que completa: “Para isso, estimulamos que os alunos ajudem a desenvolver a capacidade de seus professores de usar essas tecnologias de formas que façam sentido no processo de aprendizagem dentro da escola”.

Uma das maneiras escolhidas para assegurar que todos entendessem a importância dessa mudança foi inserindo no boletim escolar os conceitos de avaliação dessas competências antes das notas das disciplinas tradicionais. Os alunos também passam por processos de autoavaliação, que os permitem analisar seu processo evolutivo e identificar as ações da escola que garantiram esse desenvolvimento.

Jennifer Adams - Currículo para o bem-estar

FORMAÇÃO DE PROFESSORES


Ceará prepara professor para escola com a cara da juventude

Despertar o interesse e garantir a aprendizagem do estudante do ensino médio estão entre os maiores desafios da educação brasileira. O mais recente alerta veio com a divulgação dos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2013, em que o país repetiu os 3,7 registrados em 2011 e ficou abaixo da meta proposta pelo MEC (Ministério d Educação) de 3,9. Apesar do quadro desolador, existem, sim, experiências que buscam virar a chave para dar sentido à experiência escolar e valorizar o aluno.

Foi diante desse cenário que o estado do Ceará começou a mudar a cara de suas escolas. Em 2009, levou aos colégios a metodologia do programa Com.Domínio Digital, realizado em parceria com o Instituto Aliança, que oferecia aulas de tecnologia da informação no contraturno escolar. Dois anos mais tarde, a Secretaria de Educação do Estado do Ceará (Seduc) percebeu a necessidade de realizar uma maior integração desses conteúdos à grade regular das escolas, após a Unesco divulgar um protótipo curricular que defendia o protagonismo estudantil, a interdisciplinaridade, o ensino baseado em projetos, a pesquisa e a abordagem de competências socioemocionais.

“A gente percebe que um fator crítico é a relação do profissional e da instituição com o jovem, sua visão de mundo e seus anseios”

O primeiro passo foi pensar em um currículo que tivesse a cara da juventude. “A gente percebe que um fator crítico é a relação do profissional e da instituição com o jovem, sua visão de mundo e seus anseios”, diz Rogers Vasconcelos, coordenador de aperfeiçoamento pedagógico da Seduc. “Era importante que a história de vida dos alunos fosse pauta curricular. Estudantes tinham que ter espaço para conhecer suas características e habilidades sociais, para falar de ética, sexualidade e projeto de vida”, diz.

Por mais que precisasse de ajustes, esse novo desenho curricular não colocou tudo abaixo. Em vez disso, buscou articular o ensino das áreas de conhecimento com ciência, pesquisa e trabalho, entendidos como eixos integradores. Em 2012, a entrada dessas novas práticas na sala de aula da rede estadual foi noticiada pelo Porvir. Inicialmente, o projeto foi adotado por 12 escolas (oito em Fortaleza, duas na região metropolitana e duas no interior) que já participavam do Com.Domínio Digital. “Elas nos relatavam o quanto a metodologia do projeto fazia com que o estudante tivesse autoestima elevada, perspectiva positiva sobre a família e seu projeto de vida. Por isso, decidimos casar o Com.Domínio Digital e os protótipos [da Unesco] com o que a gente tentava implantar nas escolas”, afirma

Nascia ali o que ficou conhecido como “Núcleo Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais”. De acordo com Vasconcelos, a partir do momento em que o estudante é desafiado por um projeto, ele consegue enxergar a totalidade do que lhe é ensinado, ao contrário do que acontece quando se trabalham as disciplinas de forma isolada. “Quando desenvolve um projeto de pesquisa, o estudante pode aproveitar o que estudou em história, física e química. É vivendo a experiência da busca que ele consegue aprender de forma integrada”. Desde 2012, o programa mais que triplicou a quantidade de envolvidos, que já somam 25,6 mil estudantes em 87 escolas.

O ensino médio redesenhado no Ceará

Novo curso, novo aluno, novo professor

Para que a escola se apresentasse como um espaço para o aluno se manifestar e ter autonomia em seu próprio aprendizado, foi preciso olhar de uma outra maneira também para a formação de professores. Isso porque o professor do Núcleo exerce um papel de agente mobilizador e articulador dentro das escolas, atuando com os demais docentes e com a equipe gestora, formada por diretor e coordenadores pedagógicos.

Ao longo de 2012, equipes do Instituto Aliança e dos professores que deram o pontapé inicial dos núcleos desenvolveram atividades diversas, com foco em cinco grandes ações: 1) articulação de gestores, professores do Núcleo, professores da Escola, técnicos da Seduc; 2) criação e estruturação do material didático-pedagógico; 3) capacitação por imersão, continuada e em serviço 4) monitoramento e avaliação do processo e 5) sistematização da prática.

“A metodologia busca provocar no professor uma reflexão sobre suas práticas, crenças e sobre seu olhar diante de alunos com multiplicidade de sonhos e de desejos com os quais ele vai ter que conviver na escola”

O conteúdo oferecido pelo Núcleo é implantado gradativamente até completar o ciclo do ensino médio. São duas aulas semanais de duas horas para o Desenvolvimento de Práticas Sociais (DPS) acompanhadas de uma hora de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), que facilitam a aquisição de habilidades digitais necessárias para a elaboração das pesquisas.

“A metodologia busca provocar no professor uma reflexão sobre suas práticas, crenças e sobre seu olhar diante de alunos com multiplicidade de sonhos e de desejos com os quais ele vai ter que conviver na escola”, explica Eveline Corrêa, coordenadora do Instituto Aliança. Segundo ela, o importante é que o docente entenda que isso também representa um ganho, e não um problema. “Se tentar pela força, nunca vai chegar a um diálogo genuíno”.

Para tratar do impacto das dificuldades enfrentadas no dia a dia em sala de aula, a formação de professores tem como foco o desenvolvimento da autoestima do docente. Esse acaba sendo o maior desafio para o professor do Núcleo, segundo a professora Ana Izabela Nascimento, da Escola Estadual de Ensino Médio João Mattos, localizada no bairro Montese, em Fortaleza, no Ceará. “A relação entre professor e aluno numa disciplina de Núcleo é sempre holística, porque está sempre na construção do Eu. Você está mudando sua maneira de pensar e sua subjetividade”, diz. Ela conta que um facilitador de sua relação com os estudantes foi a proximidade. “A principal conquista aconteceu quando eles perceberam que eu estava disponível sempre que eles precisavam. O trabalho não aconteceu somente na escola, mas também quando eu estava em casa aos finais de semana, com emails, leituras e tutorias”.

O caminho para inserção da nova metodologia também precisa vencer alguns obstáculos. Dentro das próprias escolas, existem professores que criticam a proposta que supostamente tira espaço de matérias cognitivas como física e matemática e “do conteúdo para o Enem”. Além disso, o trabalho de formação que é intencionalmente mais participativo e questionador, deixa alguns com o “pé atrás”. “Eles começam o ano questionando, mas mudam quando chega a época da apresentação das pesquisas e percebem os meninos mais motivados”, diz Eveline.

Ao mesmo tempo em que tenta tirar o educador da “zona de conforto”, a metodologia o abastece para garantir maior segurança, com matriz curricular, fichas pedagógicas e planos de aula. Além do material teórico, a formação docente é apoiada em dinâmicas de grupo, supervisão técnica e estudos temáticos. Nas reuniões, discute-se, por exemplo, o papel da escola pública e do ensino médio e os professores participam de experiências que depois realizarão com seus alunos. Logo no terceiro encontro de formação, acontece o exercício chamado “Memória fotográfica”, quando cada educador apresenta ao grupo uma fotografia marcante de seu passado. “Essa atividade fala muito e fortalece o pertencimento e a identidade, porque eles passam a ser reconhecidos por aquilo em que se dizem fortes”, diz Eveline. Ao reproduzir a atividade com seus aluno, o professor já “sentiu na pele” os seus resultados.

Por conta de experiências como essa, a professora Maria Flávia Coelho, do primeiro ano da escola João Mattos, se diz transformada. Ela conta que sempre se preocupou em inovar e “não deixar alunos parados”, mas essa formação específica para o Núcleo a ajudou a adotar um novo posicionamento na sala de aula. “A preocupação com o bem-estar do aluno e seu protagonismo era o que faltava. Hoje ainda dou aula de geografia em outra escola e percebo como mudei nas minhas ações”. A estratégia tem dado resultados com estudantes cada vez mais comunicativos e tomando a iniciativa para envolver os demais em debates e atividades em grupo. “Eu lembro da escola da Ponte, em Portugal, em que educadores atuam como colaboradores. Hoje em dia, não cabe mais o autoritarismo em sala de aula. Autoridade é importante, porém ter na cabeça que você é um colaborador muda a forma de ver o aluno. Você passa a respeitar, a entrar na vida do aluno e a entender por que ele não participou hoje, mas vai participar na próxima aula”.

AVALIAÇÃO


Rio de Janeiro é pioneiro em monitoramento de competências socioemocionais

Gestores e educadores que já desenvolvem intervenções e projetos voltados para as competências socioemocionais dos estudantes frequentemente sentem a necessidade de identificar se suas ações estão de fato causando algum impacto positivo no desenvolvimento dos alunos. Apesar de muitas vezes o resultado ser visível para aqueles que convivem com os jovens, poucos métodos foram testados até hoje para indicar com mais precisão esses efeitos. Com o objetivo de ajudar a suprir essa lacuna, o Instituto Ayrton Senna reuniu pesquisadores e divulgou, neste ano, um sistema de avaliação de competências socioemocionais para ser usado por redes de ensino.

Um dos pressupostos da proposta é que a dinâmica de ensino e aprendizagem proporciona um contato entre professores e estudantes que vai além da mera transmissão de conteúdo e que, todos os dias, cada educador identifica como andam seus alunos em relação à persistência, curiosidade e vontade de aprender, sua capacidade de concentração, entre outras competências. Muitas vezes, esses aspectos até são considerados no momento da avaliação de desempenho, mas de maneira subjetiva e sem subsidiar práticas educativas mais adequadas para suprir as necessidades específicas dos estudantes.

O trabalho de construção e uso de uma ferramenta de monitoramento de competências socioemocionais tem, portanto, o papel de definir melhor os critérios de observação dessas habilidades e utilizar esses indicadores para orientar a própria atuação docente.

“Assim como no aspecto cognitivo, a avaliação de competências é uma etapa essencial do processo educativo para identificar obstáculos, priorizar objetivos e replanejar ações ao longo da trajetória escolar sem cair no achismo”

“Assim como no aspecto cognitivo, a avaliação de competências é uma etapa essencial do processo educativo para identificar obstáculos, priorizar objetivos e replanejar ações ao longo da trajetória escolar sem cair no achismo”, afirma Tatiana Filgueiras, Coordenadora de Avaliação e Desenvolvimento do Instituto Ayrton Senna. “No entanto, esse monitoramento tem especificidades e não basta replicar métodos ou práticas das avaliações de conteúdo”, defende.

Para construir o primeiro instrumento escolar de avaliação dessas competências em larga escala no Brasil, a equipe do Instituto contou com apoio da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e reuniu os pesquisadores Daniel Santos, economista da USP, e Ricardo Primi, psicólogo da Universidade São Francisco.

Em 2011, o grupo iniciou uma ampla revisão de instrumentos internacionais voltados para avaliação de características pessoais, entre elas as competências socioemocionais. Mais de 100 testes passaram pela análise, para que se pudesse identificar os itens mais adequados para o trabalho no ambiente escolar que permitissem a interpretação de resultados pelo viés das cinco dimensões relacionadas ao desenvolvimento pleno do ser humano (no campo da psicologia, são as dimensões definidas pela teoria do Big Five).

Após o trabalho de seleção, os pesquisadores consultaram outros especialistas em educação, construíram novos itens para o questionário brasileiro e confirmaram, com análises estatísticas, que o novo instrumento era confiável e captava aspectos socioemocionais a partir do autorrelato, ou seja, quando os alunos falam sobre suas próprias características e habilidades.

Em outubro de 2013, com apoio da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, cerca de 25 mil estudantes do 5º e do 9º ano do ensino fundamental e do 3° ano do ensino médio participaram da aplicação piloto desse instrumento, denominado de sistema SENNA (sigla em inglês para “Avaliação Nacional de Socioemocionais ou Não-cognitivas”). Além do questionário com até 92 itens, o sistema coleta informações socioeconômicas e permite o cruzamento com resultados cognitivos dos alunos e informações sobre o ambiente de aprendizagem.

Resultados

Os resultados preliminares da aplicação do questionário indicam que jovens com competências socioemocionais mais desenvolvidas tendem a ter melhor desempenho escolar, e que é possível estimular essas competências com ações promovidas por políticas públicas direcionadas para este fim. Ter em casa mais de uma estante de livros, por exemplo, aumenta 40% a chance de uma criança ser mais aberta a novas experiências, e alunos com essa característica altamente desenvolvida tendem a conseguir um desempenho melhor em português.

Isso porque, mantendo-se constantes as características familiares e da escola, foi possível estimar, que ao elevar a abertura a novas experiências de um aluno, o aprendizado pode ter um ganho de até um terço do ano letivo na disciplina. Já para matemática, o desempenho pode ser elevado em um terço do ano letivo com um aumento na dimensão da consciência.

Dentre os aspectos estudados sobre o desenvolvimento das competências socioemocionais, o incentivo ao estudo pelos familiares tem o maior impacto para estimular nos seus filhos aspectos como consciência, amabilidade e abertura a novas experiências. Por exemplo, 23% da diferença entre alunos com alta e baixa consciência seria eliminada caso os pais do aluno com baixa consciência os incentivasse a estudar.

Os dados indicaram que filhos de mães menos escolarizadas são tão ou mais conscienciosos que filhos de mães mais escolarizadas. Esse fato chama atenção para o potencial da abordagem socioemocional para alavancar o desempenho educacional dos alunos mais economicamente vulneráveis, uma vez que pais com menor escolaridade e recursos econômicos não parecem estar em desvantagem em relação aos pais mais favorecidos economicamente.

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Para o economista Daniel Santos, agora é preciso amadurecer a forma de usar essas informações em políticas públicas. “O principal é que a individualidade de cada aluno será respeitada, o intuito não é homogeneizar pessoas, e sim desenvolver estratégias para tornar a educação mais eficaz”, disse.

“Importante lembrar que nesse tema não podemos definir qual competência é bom ter em maior ou menor grau, é um conjunto de características que cada pessoa tem em uma combinação diferente”

O psicólogo Ricardo Primi reforça que, diferentemente das avaliações cognitivas, a socioemocional não busca estabelecer um nível ideal de pontuação. “Importante lembrar que nesse tema não podemos definir qual competência é bom ter em maior ou menor grau. Trata-se de um conjunto de características que cada pessoa tem em uma combinação diferente”, completou.

Próximos passos

Em conjunto com os consultores internacionais Oliver John e Filip de Fruyt, a equipe responsável pelo sistema de avaliação atualmente analisa a validação de novos itens para ampliar a abrangência dos resultados. A perspectiva é aprimorar a ferramenta por meio da aplicação em outras redes de ensino.

Como esse modelo de avaliação se destina a oferecer informações em larga escala para políticas públicas, seu formato é abrangente para que possa ser comparável, de modo a permitir análises e trocas de experiência entre diferentes sistemas educativos. Por isso, oferece informações sobra as cinco dimensões da teoria do Big Five.

Cada um desses domínios, no entanto, pode ser percebido através de um conjunto de diferentes comportamentos e atitudes no cotidiano. Esse nível mais detalhado e específico fornece indicadores das atividades observáveis em sala de aula e demanda outro formato de avaliação, considerado formativo, por ter com caráter pedagógico e buscar o redirecionamento das práticas. O sistema SENNA também possibilita essa análise com um instrumento específico, organizado como um roteiro de avaliação.

Os instrumentos de avaliação socioemocional compõem um conjunto que conta ainda com material de apoio e um programa para facilitar a inserção de dados e geração de devolutivas. O sistema está em fase de finalização. “Agora é o momento de garantir que essas ferramentas sejam usadas para alavancar o potencial dos alunos; da mesma forma como nos testes cognitivos, é preciso tomar cuidado para que a utilização não sirva a propósitos de fazer ranking ou metas e outros usos menos pedagógicos”, defendeu Tatiana.

Dentro da Escola

ABORDAGEM TRANSVERSAL


Em Nova York, KIPP dá atenção aos micromomentos

A discussão sobre formar um ser humano completo também está presente nos Estados Unidos, onde a rede de escolas charter (instituições públicas de administração privada) KIPP (sigla em inglês para “Programa Conhecimento é Poder”) aplica uma metodologia direcionada a impulsionar o desempenho acadêmico de alunos de baixa renda e conduzi-los ao mundo universitário e a uma vida feliz.

De acordo com dados da rede, 44% dos que se formaram em suas escolas de ensino básico há pelo menos 10 anos concluíram o ensino superior, dado acima da média americana e quatro vezes maior que o índice para estudantes com mesmo nível socioeconômico. Com 58 mil alunos em 162 unidades espalhados por 20 estados dos EUA, a KIPP é aberta a todos, não importando antecedentes acadêmicos ou condição financeira. Só em Nova York, cujo trabalho tem influenciado outras unidades do país a adotarem a mesma estrutura para desenvolvimento de caráter, são cerca de 4.200 alunos (97% deles negros ou hispânicos), divididos em 11 escolas.

Para fazer com que estudantes provenientes de meios socialmente sensíveis consigam alçar voo, a KIPP se concentra no desenvolvimento de sete competências: entusiasmo, determinação, autocontrole, otimismo, gratidão, sociabilidade e curiosidade. O trabalho com os alunos é feito de maneira transversal, o que significa dizer que não se dá por meio de disciplinas ou aulas específicas. “Quando ensino sobre a Grande Depressão e Franklin Roosevelt, não falo só da história de uma nação em dificuldade e de um homem que enfrentou um grande desafio. O importante é ter certeza que, ao fim do curso, o aluno diga que entendeu a história e o que é preciso fazer para ter determinação e ser bem-sucedido em tempos difíceis”, explica Mitch Brenner, professor de história dos Estados Unidos na escola de ensino médio KIPP NYC College Prep High School e na unidade de ensino fundamental KIPP Academy, onde também é vice-diretor.

Brenner está envolvido diretamente com o desenvolvimento dessa metodologia desde 2007. Ele conta que o conceito de trabalhar duro e ser gentil sempre fez parte das bases da instituição, mas o ponto de inflexão para mudança no perfil das aulas veio quando sua equipe teve contato com pesquisas e livros como Aprenda a ser otimista, de Martin Seligman, professor e pesquisador de psicologia na Universidade da Pensilvânia. “Claro que existe valor em dizer para alguém trabalhar duro, mas a competência de trabalhar duro é resultado de determinação. Por outro lado, o autocontrole acompanha a amabilidade. Todas essas coisas nos abrem novas portas e um novo conjunto de lentes para vermos o mundo”, diz Brenner.

Além da integração de mão dupla com a teoria cognitiva, a KIPP também se baseia em outros seis pilares para implementar competências socioemocionais: acreditar em cada aluno, identificar competências, apresentar exemplos da ficção e do mundo real, ajudar cada estudante a sentir efeitos positivos, encorajar a mentalidade de desenvolvimento de caráter e, por fim, registrar e discutir progressos regularmente.

“Crianças que vão mal sentem dificuldade em detectar o que fazem bem e algumas estão justamente procurando por essas estratégias. Temos que ajudá-las com isso”

O trabalho trouxe benefícios que vão além da sala de aula e, segundo Brenner, entender a correlação entre os traços de personalidade permitiu ao grupo de professores ter uma conversa mais rica com os estudantes. “É preciso ser o mais específico possível com as crianças sobre comportamentos percebidos, suas notas e anotações. As que vão mal sentem dificuldade em detectar o que fazem bem e algumas estão justamente procurando por essas estratégias. Temos que ajudá-las com isso”, explica.

Um dos métodos usados em sala de aula pela KIPP é encorajar alunos a pedir ajuda. Quando isso ocorre, o professor é estimulado a adotar elogios públicos para mostrar que se trata de um sinal de força, não de fraqueza. Para que a harmonia se espalhe por todo o ambiente escolar, o reconhecimento de um bom trabalho também acontece durante os chamados “micromomentos”, pequenas interações que ocorrem centenas de vezes dentro e fora da sala de aula, segundo diz Brenner. “Alguns são grandes, outros nem tanto, mas quando vemos uma criança tratar uma outra com gentileza, queremos reconhecer essa competência imediatamente. Quanto mais as crianças viverem isso, mais será internalizado”. Para reforçar esse processo, as paredes da escolas têm cartazes de incentivo e professores também passam uma caixa com palavras de reconhecimento durante suas aulas e, dependendo do assunto tratado, abre-se espaço para jogos de improviso e dramatização.

Na Infinity Middle School, outra unidade KIPP de Nova York para ensino fundamental, antes mesmo da implantação do conteúdo de caráter, já ocorriam os KIPP Circles, períodos de 20 a 30 minutos em que as turmas são divididas em grupos e os alunos trocam ideias e ajudam uns aos outros a melhorar suas atitudes e resultados acadêmicos. “Nos círculos, os alunos discutem o que entenderam das minhas aulas e se estão aplicando o que aprenderam”, disse a diretora da escola e professora Leyla Bravo-Willey, em entrevista recente ao Porvir.

Além do trabalho dentro dos muros da escola, a KIPP busca se aproximar das famílias para mostrar como as competências estão se desenvolvendo, mesmo quando as notas parecem escondê-las. “Nas reuniões trimestrais eu digo que me importo com as notas do 1º trimestre, mas me preocupo mais com as do 4º, porque estas mostram como o aluno cresceu e como enfrentou desafios durante um ano inteiro. Você pode mostrar às famílias quanta determinação o aluno demonstrou e dizer que sabemos quem são seus filhos”, conclui Brenner, da KIPP Academy Middle School.

POR PROJETOS


Aula de práticas sociais resgata o aluno na João Mattos (CE)

Um aluno encontra nas palavras do professor o conforto que perdeu em casa. Em outra turma, um grupo se mobiliza para mudar a cabeça de colegas sobre os estudos e superar o fracasso. Na sala ao lado, um projeto de pesquisa compara o índice de leitura de diferentes bairros da cidade. Problemas familiares, fracasso e projetos são comuns a muitos alunos e colégios, mas na Escola de Ensino Fundamental e Médio João Mattos, de Fortaleza, no Ceará, esses elementos só foram incorporados com a entrada de uma nova disciplina que mudou a forma de ensinar e de aprender.

Chamada de Núcleo de Trabalho, Pesquisa e Práticas Sociais, ela está presente na escola desde 2012, quando a Secretaria de Educação do Estado do Ceará começou uma experiência para deixar o ensino médio “com a cara da juventude“. Neste novo desenho da grade curricular, 646 alunos, divididos em três turnos (manhã, tarde e noite), têm aulas de Desenvolvimento de Práticas Sociais (DPS) e de técnicas de pesquisa, ambas com destaque para os aspectos socioemocionais. “Nenhuma disciplina [tradicional] trabalha com o que se faz em DPS, como a questão da identidade, da perspectiva de futuro e da interação e integração com os colegas. A pesquisa também olha para autonomia e sugere uma ação que trata do protagonismo”, diz Iane Nobre, coordenadora pedagógica da escola.

As aulas de Desenvolvimento de Práticas Sociais acontecem duas vezes por semana, por duas horas, e são acompanhas por mais uma hora semanal de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), onde alunos aprendem a lidar melhor com o mundo digital para desenvolver suas pesquisas. Em geral, as aulas começam com a introdução de um tema pelo professor, que estimula a participação do aluno com o conhecimento prévio que ele já possui. A parte de desenvolvimento inclui debates, trabalho em grupos e, ao final, uma avaliação em que o aluno é estimulado a colocar no papel o que aprendeu naquele dia.

Apesar do estudo sobre o impacto da reorganização curricular na rede do Ceará ainda estar em fase de finalização, a coordenadora do João Mattos aponta que a entrada da nova disciplina foi um fator importante para a redução da evasão em 6% entre 2012 e 2013. E é fácil descobrir por quê. “Com o tempo, fomos ganhando confiança e notando que essas oficinas estavam fazendo muito bem para os nossos alunos e completavam sua formação. A gente consegue ver dentro da sala de aula um aluno mais crítico, mais positivo, com mais perspectiva de futuro e percebendo que estudar vai trazer benefício”, diz Iane.

“No Núcleo, você é convidado a se abrir mais, a dizer coisas que o professor de matemática ou de português não pergunta. Às vezes, são coisas que a gente não consegue nem dizer em casa ou com os amigos”, descreve Maxwell Matos da Silva, 17, aluno do terceiro ano. A autonomia conquistada em sala de aula, segundo conta, conseguiu evitar com que ele e outros amigos que também gostam de dançar break seguissem pelo “mau caminho”.

E nem só de atividades dentro da sala de aula vive a nova disciplina. Maxwell descreve que, quando o projeto de oficinas de Núcleo começou a “bombar”, foi como o “WhatsApp de hoje em dia”. Com outros amigos, sugeriu a criação de um Festival de Talentos, que logo teve autorização da diretoria e ganhou as redes sociais. Como era a primeira edição, conseguiu assegurar a participação de amigos que não estudavam na escola. Resultado? Primeiro lugar em dança. “Foi muito massa mesmo”, diz Maxwell.

Um dos pontos altos da nova metodologia desenvolvida na sala de aula é que alunos ganham maior capacidade para se expressar e também perdem o medo de encarar as diversas esferas públicas quando precisam de informações para a sala de aula. Autora de um projeto sobre violência sexual, Anna Thays Santos, 17, também do segundo ano, conversou com meninas que já tinham sido vítimas de abuso, mas teve que ir além. “Pude conhecer o drama e cheguei a visitar o Conselho Tutelar, onde conversei com uma psicóloga e com uma pessoa que tomava conta dos casos”, diz.

Por outras vezes, a realidade da comunidade em que vivem choca os próprios estudantes, como no projeto sobre educação em que Antônio Matheus da Silva, 17, saiu às ruas e descobriu que tanto alunos de escolas públicas quanto particulares do bairro da Parangaba, próximo à João Mattos, tinham índices de leitura alarmantes. “Foi complicado achar duas escolas para a gente usar como modelo. Tivemos que andar debaixo de sol às 10 horas da manhã e às vezes não podiam nos atender porque estavam em aula ou reunião”, diz. “Nosso projeto descobriu que alunos leem muito pouco. Alguns não têm prática de leitura e outros não são incentivados em hipótese alguma a ler”, conclui.

 “No Núcleo, você é convidado a se abrir mais, a dizer coisas que o professor de matemática ou de português não pergunta. Às vezes, são coisas que a gente não consegue nem dizer em casa ou com os amigos”

Apesar de ter implantado um método inovador, a João Mattos sofre com alguns problemas que atingem outras escolas, como a repetência. Ainda assim, ao abrir espaço para um maior protagonismo do aluno, é possível tratar com criatividade e naturalidade esse e outros assuntos considerados tabus dentro da sala de aula. Quem poderia falar melhor sobre fracasso escolar e as dificuldades de fazer tudo de novo do que um grupo com alunos que tinham vivenciado tal experiência negativa? “A gente descobriu que muitos alunos não eram interessados pelos estudos por causa de influência dos colegas ou por medo de levantar a mão quando o professor pergunta se eles sabem o conteúdo”, diz Martinara Melo, 18. “Ter cinco alunos repetentes tomando a frente sobre esse tema foi o suficiente para acordar o restante da turma. Muita gente não tinha coragem de dizer o que aprendeu, não se soltava”.

O “resgate” por meio de projetos também conseguiu mudar a opinião de Jennifer Jéssica de Souza, 19, do segundo ano. “Antes vinha só por vir mesmo. Era aquela matéria ‘decoreba’. Agora, não. Você tem curiosidade para pesquisar o que vai ter que estudar, saber por que está aprendendo e fica mais integrado com a escola”. A metodologia também serve para acabar com preconceitos, sem motivo, com uma ou outra disciplina. No caso de Jéssica, História. “Eu não me interessava muito, mas fui fazer um trabalho sobre a história do meu bairro e fui criando uma paixão sobre a história como um todo”, conta.

Perto de concluir o ensino médio na João Mattos, Thainá Porto, 17, mais uma integrante do grupo que criou o Festival de Talentos, conta que as aulas funcionam como uma barreira para problemas que o aluno carrega de fora para dentro dos muros da escola e ressalta o apoio emocional que recebeu. “A gente estava triste por problemas de casa e, nas aulas de Núcleo, se aprende sobre outras coisas como família, resilência e talentos. Saía do foco das matérias e chegava melhor em casa”. E qual a principal lição das aulas de Núcleo? “É uma disciplina para qualquer tipo de aluno e todo mundo tem voz”.

Escola João Mattos - Todo mundo tem voz

RELAÇÃO ADULTO X ALUNO


Autonomia para o aluno e abertura do professor fazem a diferença

Diante de um aluno com lugar cativo na “turma do fundão”, que colecionava advertências, a professora Ana Lúcia Viana tinha poucas alternativas. Todas as soluções comuns para lidar com a indisciplina já haviam sido tomadas e se mostrado ineficazes para contornar um comportamento que tinha o claro objetivo de dominar a classe e atrapalhar a vida do professor, visto como inimigo.

Ana Lúcia era recém-chegada à Escola Estadual Professora Altina Moraes, de Araçatuba (SP), que integrava o grupo de escolas participantes do Programa SuperAção Jovem, do Instituto Ayrton Senna. No projeto, o professor deixa de ser transmissor de conteúdo e a metodologia é centrada no aluno para ajudá-lo a descobrir paixões, interesses e sonhos. O processo de aprendizagem abre espaço para o posicionamento dos estudantes sem que o professor abra mão de estruturá-lo e servir como referência para mostrar: para onde queremos ir, onde estamos, como estamos indo e quem são os responsáveis por sua condução.

Os professores estimulam e distribuem as falas, a participação e a liderança dos alunos, mas, em uma atividade tradicional como a leitura, o objetivo e a execução das ações são diferentes para cada turma. Por isso, desde a primeira aula do projeto Sala de Leitura no 8º B, a estratégia de Ana Lúcia tomou um caminho próprio, e resgatou a confiança que Marcos havia perdido. Antes de tudo, a educadora evitou dizer um lacônico “ler é bom”, colocou na lousa os objetivos da atividade e se apresentou como “a professora que faria com que eles (alunos) gostassem de ler”. Mas a resposta de Marcos, um dos líderes da turma, foi lançar uma carteira na direção de Ana Lúcia e gritar: “Eu não gosto de ler e nunca vou ler na minha vida”.

Para manter a autoridade perante à turma, a receita tradicional pediria uma resposta em tom elevado, o que foi imediatamente descartado. Como previam os planos, a aula continuou naquela tarde e voltou a acontecer no dia seguinte, para a surpresa do próprio Marcos. “Você está aqui de novo? Achei que não fosse voltar”, disse o adolescente, segundo relato da professora. Esse foi um acontecimento importante, porque mostra que, apesar de mudar o foco das aulas, a atitude do professor não deve ser confundida com paternalismo. O cartão de visita não tinha nenhuma palavra de conforto, mas Ana Lúcia manteve a obstinação de mudar a maneira com que a classe encarava o processo de leitura. Primeiro, iniciou discussões sobre o protagonismo do estudante e estimulou as atividades em grupo. Em seguida, para traçar um raio-x de cada aluno, passou a circular durante o intervalo para conversar e conhecer a história de cada um. “Eu precisava ver meu aluno de forma diferente. Toda essa reação negativa que acontece durante a aula tem um motivo e eu precisava saber o porquê”, conta Ana Lúcia.

A liberdade com que conduzia a aula revelou-se a chave para que Marcos puxasse um primeiro livro na estante. Foi o ponto de partida para uma mudança em sua vida, e ele passou a usar a influência que exercia sobre colegas de forma positiva, em atividades em grupo para desenvolvimento de competências como comunicação e colaboração. De aluno “convidado” a mudar de escola, passou novamente a se diferenciar dos demais, mas de um jeito diferente. “Ele não desenvolveu habilidades só de leitura. Ele começou a ter consciência de quem ele era e de quem gostaria de ser”, avalia a professora. Antes de cada novo projeto, o vínculo entre Ana Lúcia e Marcos era renovado, pois a professora tinha abertura suficiente para entender os interesses dele e, com reciprocidade, trocava percepções sobre o que já enxergava por trás de suas atitudes.

Motivada com a mudança “brusca” acontecida com Marcos ao longo de apenas um ano, Ana Lúcia aconselha todos os professores a buscarem dar mais atenção ao contato com seus alunos. “Ouça, dê atenção às questões e às raivas deles, porque isso nos dá condição de preparar uma aula melhor, que é o que eles querem”. Por sua vez, Marcos contou de forma emocionante, durante a 12ª edição da “Série de Diálogos – O Futuro se Aprende”, que sua transformação de pior aluno da classe para o melhor entre todas as turmas só aconteceu quando foi visto de outra maneira dentro da escola: “O valor de um professor na vida do aluno é muito grande. Quando um professor acreditou em mim, a minha mudança aconteceu”.

RECURSOS PEDAGÓGICOS


Jogos criam ponte entre diversão e aprendizagem

Dentre os recursos usados para desenvolver as competências socioemocionais, os jogos ocupam um lugar privilegiado. Com eles, enquanto as crianças se divertem é possível detectar, aprimorar e avaliar características como trabalho em equipe, resiliência, liderança e reação à contrariedade. É nesse momento de descontração que, ao mesmo tempo, possui regras e estratégias, que se consegue colocar os estudantes em situações do mundo real e permitir que adquiram conhecimento por esforço próprio e na relação com os demais colegas.

Desde o ensino infantil até o ensino médio, os diferentes tipos de jogos e atividades acompanham as necessidades específicas  de cada faixa etária. Por exemplo, primeiro servem para despertar o senso de colaboração e despertar a comunicação, depois partem para o incentivo da criatividade e do controle da impulsividade. Eles podem ser analógicos, como jogos de tabuleiro, ou digitais, via uso de tablets, computadores e celulares. Em comum, guardam a intencionalidade e a capacidade de registrar o progresso do aluno.

Inseto ajuda a identificar sentimentos

Um dos programas que tem como objetivo desenvolver tais competências é o “Amigos do Zippy”, da Associação pela Saúde Emocional de Crianças (ASEC), que é direcionado a turmas do 1° ou do 2° ano do ensino fundamental. Nele, sem ouvir “esta solução é boa e aquela é ruim”, as crianças aprendem a enfrentar as dificuldades do dia a dia, a identificar seus sentimentos e a explorar a melhor maneira de lidar com eles. “Quando enfrentamos dificuldades, elas geram sentimentos com os quais temos que lidar. E isso só acontece na prática”, diz Tânia Paris, presidente da ASEC. Para ajudar os pequenos O projeto começa com alunos de seis anos pois, segundo Tânia, “nesta idade eles não automatizaram reações aos sentimentos e apresentam um padrão de comportamento maleável, que não precisa de desconstrução e que pode gerar hábitos com mais facilidade ao longo da vida”, completa.

O programa possui seis módulos, com carga horária de uma hora, a serem percorridas durante 24 semanas. Mas onde entra o Zippy? Zippy é o nome de um inseto, mais precisamente um bicho-de-pau, que vira amigo das crianças durante todo o curso. Nas atividades em sala de aula, pôsteres ilustram cenas da história e ajudam as crianças a desenvolver empatia. Além disso, são usados bonecos de papel e uma “caixa surpresa” com cartões que as crianças sorteiam para fazer as dramatizações. Em geral, cada classe tem um Zippy, que pode viajar para a casa de cada aluno. Mesmo estando no início da alfabetização, as crianças são incentivadas a escrever um diário do inseto como atividade complementar.

O primeiro módulo trata dos sentimentos e a criança aprende a identificar raiva, tristeza, nervosismo e saber o que fazer para se sentir melhor. O segundo, com aulas baseadas em dramatização, aborda a comunicação, como se expressar e como escutar. As atividades que impactam a timidez e favorecem o melhor desempenho nas aulas de língua portuguesa. Segundo Tânia, professores também se renovam a partir deste ponto. Ela narra a história vivida por uma professora do Rio de Janeiro, que participou do curso de formação e, logo no dia seguinte, ao voltar para a sala de aula, se deparou com uma situação difícil. Um aluno que havia tirado nota 2 em uma prova resolveu desafiá-la rasgando o exame na hora da devolução. Em vez de nova reprimenda, a professora preferiu perguntar se haveria algo que ela pudesse fazer para ajudá-lo. Silêncio. A resposta veio somente ao final da aula, quando o menino finalmente se abriu e confidenciou: “Tem uma coisa que você pode fazer: ensinar a matéria que eu não sei”, disse ele. “Quando uma professora conta um evento desse para a gente, ela o faz com lágrimas nos olhos, porque percebe que todas as técnicas tradicionais só estavam piorando a situação”, conta Tânia, que vê no apoio à criança um momento para que ela consiga se soltar e veja na escola um espaço privilegiado em que ela deseje estar.

O terceiro módulo trata dos relacionamentos, como encarar a rejeição fazer novos amigos, o que abre terreno para que na fase seguinte sejam abordado como resolver conflitos. Na fase seguinte, as crianças participam de aulas sobre como se acalmar, lidar com a raiva e demonstrar solidariedade a algum colega vítima de bullying. No módulo cinco, sobre mudanças internas, abre-se espaço para desenvolver a resiliência e como superar perdas. O sexto módulo, que fecha o “Amigos do Zippy”, chama-se ‘nós sabemos lidar com dificuldades’. Aqui, as crianças aprendem a pedir ajuda e a saber quais situações podem ou não ser mudadas. “O que se discute são coisas como briguei com amigo e posso voltar a ser amigo? Posso. Mas vai depender dele também querer.”

Implantado desde 2004, o projeto já recebeu 220 mil crianças e hoje está em 35 cidades do país, envolvendo 832 professores e 402 escolas e instituições de ensino.

Jogo, método e professor-mediador

Outro programa direcionado às escolas é o elaborado pela empresa israelense MindLab, que leva o programa Mente Inovadora a 1000 unidades de  ensino brasileiras. Nele, alunos de 4 a 17 anos, professores e familiares compartilham responsabilidades por tarefas que acontecem na escola e em casa, pois além do material para sala de aula existe um portal com jogos e livros de atividades que demandam a participação dos pais.

O MenteInovadora usa alguns métodos, chamados metacognitivos, que funcionam como instrumentos criadores e organizadores do pensar, do fazer e da tomada de posição diante de situações-problema. Eles partem do princípio de que, quando estamos conscientes quanto à maneira como pensamos, podemos aprender e crescer mais e melhor. A intenção é contribuir para o desenvolvimento de atitudes responsáveis, seja em família, nas relações sociais ou no trabalho.

Os métodos são apresentados por meio de metáforas, como as imagens culturais do “Método do Semáforo” e “Método do Detetive” (veja infográfico abaixo), ligadas a certas habilidades que permitem o jogar certo e o jogar bem.

No começo da vida escolar, o aluno é estimulado a trabalhar em grupo e a usar o próprio corpo como peça em tabuleiros gigantes, colocados no chão. Na adolescência, a interação é mais digital, mas também envolve a troca com outro colega.

Os jogos da MindLab, segundo a pedagoga e diretora Sandra Garcia, estão baseados em três pilares: jogo, método e professor-mediador. “O jogo permite simular as situações do cotidiano e os métodos fazem as crianças pensarem em como agir em determinadas circunstâncias”, explica. As aulas são realizadas uma vez por semana, têm duração de 50 minutos e ficam sob responsabilidade de um professor que pode vir das mais diversas disciplinas, como matemática, geografia ou português. Ele não é um especialista, mas passa por uma formação com experiência de trabalho mediado para então aplicar a metodologia em sala. “O mediador pode fazer com que o aluno reflita, veja o que precisa melhorar, mudar ou continuar fazendo para conquistar seu objetivo. É uma seriedade lúdica”, diz Sandra.

No final da aula, há espaço para a “hora da conversa”, com discussão sobre o que foi assimilado e alunos são estimulados a relacionar as situações de jogo com situações extraclasse. Abaixo, você encontra três exemplos de jogos disponíveis no portal MindLab.net e como cada um trabalha o socioemocional nos estudantes.

Jogo por empatia e compaixão

Nos Estados Unidos, o desenvolvimento de competências socioemocionais também tem atraído interesse de nomes da indústria dos jogos. O sociólogo, historiador e empreendedor norte-americano Trip Hawkins, fundador da Electronic Arts, produtora das séries de jogos de futebol americano Madden e do FIFA, é um dos que decidiram se dedicar aos softwares educativos. Em março deste ano, sua mais nova empresa, a If You Can Company, lançou o IF… (Se…), jogo para crianças de 6 a 12 anos exclusivo para o tablet Apple iPad, que já alcançou 500 mil downloads na App Store.

“O poder do aprendizado com jogos sempre me atraiu, porque você faz escolhas e vê as consequências”, diz Hawkins. Seja dentro de casa ou na própria empresa, que produz jogos que se destacam pela simulação de competição, o ambiente competitivo sempre fez parte de sua rotina. “Durante os últimos 10 anos, me preocupava pensar sobre qual legado minha geração deixaria para nossas crianças. E eu decidi que queria fazer algo sobre isso”, conta.

A virada veio quando matriculou suas filhas em uma escola que se dedica a ensinar competências socioemocionais, como empatia e compaixão, a The Nueva School, em San Mateo, no estado da Califórnia. Aos poucos, uma de suas filhas começou a corrigir seu comportamento. Nascia ali a ideia para criarção do IF…, cujo nome é inspirado no poema do escritor Rudyard Kipling.

Para o desenvolvimento do IF.., Hawkins diz ter usado o plano pioneiro para o ensino de socioemocionais elaborado há sete anos pelo estado de Illinois e também escolas como a KIPP e Anchorage School, do Alasca. Além de ex-programadores da Electronic Arts, fazem parte da If You Can Company representantes do site Casel.org, do Yale Center for Emotional Intelligence e do The Institute for Social and Emotional Learning, fundado por ex-responsáveis pelo plano pedagógico da The Nueva School.

Dentro do jogo, as crianças criam um avatar de cachorro e se aventuram por Ziggurat, mundo comandado por campos de energia. Um guru chamado YouDog ajuda na resolução de perguntas envolvendo competências socioemocionais, como gratidão, cooperação, paciência e trabalho em equipe.

Hawkins diz que IF… é projetado para ser jogado de 30 a 45 minutos por semana, com supervisão de pais ou professores, e que seu principal trunfo é “transferir habilidades para o mundo real”. Um painel de controle permite a um pai ou a um professor receber um relatório sobre como a criança está se saindo em cada capítulo. IF… tem interface em inglês e seu primeiro episódio é gratuito; para os demais, é necessário assinar.

Como Faz

Que competências socioemocionais precisam ser desenvolvidas? Como deve ser a formação dos professores para lidar com esse desafio? Que cuidados são necessários na avaliação? O desenvolvimento intencional de capacidades que extrapolam os conteúdos cognitivos ainda suscita muitas perguntas entre gestores e profissionais de educação.

Para encontrar respostas a essas indagações, Inspirare, Porvir e Instituto Ayrton Senna promoveram um evento da Série Diálogos O Futuro se Aprende, no qual pesquisadores, professores, empreendedores, gestores e alunos debateram questões conceituais e práticas relacionadas ao tema e construíram uma série de recomendações para orientar o trabalho com as competências socioemocionais.

Veja o resultado desse diálogo e saiba como planejar políticas públicas e atividades para o cotidiano das escolas brasileiras:

Veja a íntegra das palestras que inspiraram os debates da Série Diálogos O Futuro se Aprende:

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Expediente

Este especial foi produzido a partir de palestras e debates do encontro da Série Diálogos – O Futuro se Aprende, realizado no dia 23/9/2014, em São Paulo. Assim como a organização do evento, a sistematização e edição do conteúdo e novas pesquisas e reportagens feitas após o evento foram realizadas pelo Porvir em parceria com Instituto Ayrton Senna.

PRODUÇÃO EXECUTIVA: Daniela Arai, Marília Rocha e Vinícius de Oliveira
EDIÇÃO: Tatiana Klix
REPORTAGEM: Fernanda Kalena, Marília Rocha, Vinícius de Oliveira
DESIGN: Regiany Silva
DESENVOLVIMENTO: Gita Tecnologia (site) e Alan Basílio (infográfico Big Five)
APOIO: Helton Lima, Ivan Rabelo, Larissa Alves, Marina Lopes, Rita Carmona

FOTOGRAFIA
O que é: Estúdio Euka / Instituto Ayrton Senna
Na rede escolar: OCDSB/Divulgação (Canadá) e Cival Jr. (Ceará)
Dentro da escola: KIPP/Divulgação, Cival Jr. (Ceará), Arquivo Pessoal/Profª Ana Lúcia Viana, MindLab/Divulgação, ASEC/Divulgação

VÍDEOS
James Heckman: Instituto Ayrton Senna/OCDE
Paul Tough: Instituto Ayrton Senna
Anita Abed: Porvir/Bonita Produções
Competências da nova escola: Buriti Filmes
Jennifer Adams: Porvir/Bonita Produções
Rogers Mendes: Porvir/Kroma Vídeo Edição: Verônica Dantas
Formação de professores: Porvir/Kroma Vídeo Edição: Verônica Dantas
Professora Ana Lúcia Viana e aluno Marcos Ferrari: Porvir/Félix Lima Edição: Verônica Dantas
Professora Ana Lúcia Viana: Porvir/Félix Lima Edição: Verônica Dantas
KIPP NYC: KIPP/Divulgação Tradução e legendagem: People Traduções
Escola João Mattos: Porvir/Kroma Vídeo Edição: Verônica Dantas
Jogo IF...: If you can company/Divulgação Tradução e legendagem: People Traduções

PARCERIA DE CONTEÚDO
Recursos pedagógicos: MindLab (jogos)
Como faz: Construção coletiva de recomendações realizada durante evento da Série Diálogos - O Futuro se Aprende sobre habilidades socioemocionais pelos seguintes participantes:

Adenil Vieira - Instituto Aliança, Adriana Silva - Instituto Península, Adriano Moro - Unicamp, André Stábile - Secretaria Municipal de Educação de São Caetano do Sul, Anita Abed - Unesco, Anna Cecília Koebcke de Magalhães Couto Simões - Secretaria Municipal de Educação de São Paulo , Anna Helena Altenfelder - Cenpec, Anna Penido - Inspirare, Aparecida de Fátima Uchoa - Secretaria da Educação do Estado da Paraíba, Carla Aragao - Inspirare, Carlos Coutinho - Projeto Artesão, Claudio Franco - Mind Lab, Cristiane Tacla Barros - UNIFESP, Cristina Nogueira Barelli - Instituto Singularidades, Cynthia Junqueira - Inteligência Relacional, Daniel Ianae - Gita Tecnologia, Daniela Arai - Instituto Ayrton Senna, Daniele Paz - Associação Parceiros da Educação, Danielle Gobbi Brants - Guten Educação e Tecnologia Ltda, Eda Luiz - CIEJA Campo Limpo, Edimilson de Moraes Ribeiro - Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, Eveline Correa - Instituto Aliança, Fernanda Furia - Playground da Inovação, Fernanda Kalena - Inspirare, Flávio dos Santos - OPEE, Gabriela Cornacchioni - Mind Lab, Gisele Magnossão - Colégio Albert Sabin, Gustavo Giolo Valentim - Move, Helena Singer - Associação Cidade Escola Aprendiz, Heloísa Mesquita - Inspirare, Helton Lima - Instituto Ayrton Senna, Iane Terceiro Nobre - Secretaria de Educação do Estado do Ceará, Ilma Oliveira - Instituto Aliança, Ivan Rabelo - Instituto Ayrton Senna, Ivana Piffer Catão - Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, Jamile Coelho - Espaço Educacional, Jaqueline Peixoto Barbosa - PUC-SP, Jefferson dos Santos - Projeto Artesão, João Borges - Dreamshaper, João Freitas da Silva - Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, João Roberto de Araújo - Inteligência Relacional / Liga Pela Paz, José Aliperti - Kidu, Leticia Guimaraes Lyle - Casa Cuca, Lúcia Fávero - Associação Parceiros da Educação, Lúcia Lódi - Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, Márcio José Batista - Secretaria Municipal de Educação de Rio Branco, Maria Almeida Salles - Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, Maria Cristina Telles - Fundação Bradesco, Maria de Betânia Paes Norgren - DaquiPraFrente/ Instituto Sedes Sapientiae, Maria Helena Guimarães de Castro - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados - SEADE, Maria Ignez Diniz - Mathema, Maria Regina dos Santos - Instituto Ayrton Senna, Marília Rocha - Instituto Ayrton Senna, Mirela Silva - Instituto Unibanco, Miriam Rodrigues - Educação Emocional Positiva, Monica Weinstein - Coruja Educação, Mozart Neves - Instituto Ayrton Senna, Natacha Costa - Associação Cidade Escola Aprendiz, Nayra Karam - Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, Neuza Takaki - Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, Nuricel Villalonga Aguilera - Alpha Lumen, Patrícia de Oliveira Lopes - Instituto Dona Placidina, Raul Aragão Martins - Universidade Estadual Paulista - UNESP, Renata Lazzarini Monaco - Instituto Ayrton Senna, Ricardo Henriques - Instituto Unibanco, Rita Carmona Moreira Leite - Instituto Ayrton Senna, Rogers Vasconcelos Mendes - Secretaria da Educação do Ceará , Severino Batista da Silva - CIEJA Campo Limpo, Silvana Gontijo - Planetapontocom, Sonia Bittencourt - Kidu, Tania Paris - ASEC - Associação pela Saúde Emocional de Crianças, Tatiana Klix - Inspirare, Tereza Perez - Comunidade Educativa CEDAC, Thais Guimarães - Casa Cuca, Thiago Rivero - Neurogames, Vera Lúcia Goloni - Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, Vera Zanardi - Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, Walquíria Tiburcio - Move, Willman Costa - Colégio Estadual Chico Anysio

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